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    O procurador federal Virgílio de Oliveira Filho Imagem: Reprodução/TRF3

anais do crime

Desde 2022

Propina a procurador do INSS começou há três anos

Breno Pires, de Brasília | 29 maio 2025_15h51
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Nos dias 5 de maio e 17 de novembro de 2022, pingaram dois Pix na conta do Centro Médico Vita Care registrada em nome de Thaisa Hoffmann Jonasson, esposa do procurador federal Virgílio de Oliveira Filho. Os valores somavam 140 mil reais. A pagadora era a ACCA Consultoria Empresarial, uma das empresas de Antonio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, como ficou conhecido o lobista e empresário apontado pela Polícia Federal como o principal operador financeiro dos esquemas criminosos que desviaram bilhões de reais de milhões de aposentados e pensionistas.

Àquela altura, Oliveira Filho ocupava um cargo-chave no coração jurídico do sistema: chefiava a Procuradoria-Geral do INSS. Era o homem dos pareceres e tinha nas mãos a caneta que chancelava a legalidade dos atos administrativos, inclusive dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) que permitiram, nos bastidores, que associações de fachada passassem a descontar mensalidades diretamente da aposentadoria de milhões de beneficiários — sem autorização formal da maioria deles, sem prestação de qualquer serviço e sem controle. 

Em junho daquele mesmo 2022, o procurador ascendeu. Deixou o INSS para virar consultor jurídico do Ministério do Trabalho e Previdência, então entregue a José Carlos Oliveira — que foi presidente do INSS de novembro de 2021 até março de 2022, quando virou o chefe do então Ministério do Trabalho e Previdência do governo Bolsonaro. A nomeação de Oliveira Filho foi assinada por Ciro Nogueira, então ministro da Casa Civil. 

Segundo os autos do inquérito da Operação Sem Desconto, a partir dali os pagamentos ao entorno de Oliveira Filho se tornaram frequentes. De empresas ligadas a entidades associativas, ou à rede de consultorias do Careca do INSS, foram enviados ao todo 11.997.602,70 reais a pessoas físicas e jurídicas próximas ao procurador. A advogada Cecilia Rodrigues Mota, operadora financeira do esquema, repassou parte do dinheiro. A THJ Consultoria, empresa da esposa do procurador, recebeu a maior parte desses recursos. A Xavier Fonseca Consultoria, da irmã, também foi beneficiada. A movimentação imobiliária da família explodiu: mais de 6,3 milhões de reais em novos imóveis, 18 milhões de reais em patrimônio acumulado desde 2020. 

Quando Lula chegou ao poder, Oliveira Filho perdeu a condição de chefe, mas não por muito tempo. De início, ficou subordinado ao novo procurador-geral do INSS, Bruno Bisinoto. Em março de 2023, houve um pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) — uma das entidades sob investigação da PF — para desbloqueio em lote de mais de 30 mil descontos associativos, sem que essa solicitação houvesse sido feita pelos aposentados e pensionistas. A Procuradoria Federal Especializada do INSS foi contra, apontando que a operação desrespeitava o decreto presidencial que instituíra a necessidade de desbloqueio por parte do beneficiário, e não da associação. 

Em seguida, quando o advogado Alessandro Stefanutto assumiu a presidência da autarquia, em julho de 2023, uma articulação silenciosa começou a ser montada para Oliveira Filho ser reconduzido ao cargo de procurador-geral. Em agosto, a pedido de Stefanutto, o ministro Carlos Lupi, da Previdência Social, requisitou à AGU a nomeação de Virgílio de Oliveira Filho. Na AGU, a procuradora-geral federal Adriana Venturini refutou a decisão. “Não se identifica motivo para a mudança de titularidade da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (PFE/INSS – Sede), sob o eventual risco de descontinuidade dos projetos e ações conjuntas em andamento, razão pela qual restituo o feito ao Senhor Advogado-Geral da União, sugerindo que a nova indicação não tenha prosseguimento, nesta oportunidade”, despachou Venturini, em 20 de setembro de 2023. No dia seguinte, porém, o ministro Jorge Messias deu anuência à indicação. Oliveira Filho retomou o posto de procurador-geral do INSS. O ato formal da nomeação, por regra, coube ao ministro Rui Costa, da Casa Civil. Virgílio reassumiu o cargo, e o ato formal foi assinado pelo ministro Rui Costa, da Casa Civil. À piauí, a AGU afirmou que Virgílio tinha experiência com temas previdenciários e não havia impedimentos administrativos para sua indicação, além de destacar que, à época, a escolha dos nomes cabia aos ministérios, não ao advogado-geral da União.

No mês seguinte, Oliveira Filho avocou o processo da Contag para si, alegando tratar-se de “consulta pontual de baixa complexidade jurídica e com pedido de urgência”. Logo, a assinatura dele carimbou o desbloqueio de mais de 30 mil benefícios para a Contag. Aprovado pelo presidente Stefanutto, o desbloqueio contrariou pareceres anteriores e um decreto presidencial que exige consentimento expresso dos aposentados e pensionistas — a PF aponta no inquérito a “ilicitude da conduta dos envolvidos no desbloqueio em lote narrado”. Esse é um dos principais indícios de atuação criminosa da cúpula do INSS.

A transversalidade da atuação de Oliveira Filho — um técnico de carreira, legitimado por dois governos de espectros ideológicos distintos — simboliza a mecânica de captura institucional que permitiu que o esquema crescesse exponencialmente. Pelos dados da CGU, a escalada começou de 536,3 milhões em 2021 para 706,2 em 2022, passou para 1,3 bilhão em 2023 e explodiu para 2,8 bilhões em 2024.

A maior parte dos valores pagos ao entorno de Oliveira Filho veio de empresas ligadas ao “Careca do INSS”. Os valores eram pagos, por exemplo, à THJ Consultoria Limitada, pertencente a Thaisa desde 30 de maio de 2022, e também à Curitiba Consultoria em Serviços Médicos SA, da qual Thaisa era sócia desde novembro de 2022 junto com Rubens Oliveira Costa, também investigado. 

A lista de pagamentos segundo a PF:

  • A Xavier Fonseca Consultoria, de uma irmã de Oliveira Filho, recebeu R$ 630.695,28 de um escritório da advogada Cecilia Rodrigues Mota, também investigada no caso.
  • Thaisa Hoffmann Jonasson recebeu,  em  sua  conta  pessoal,  R$ 59.000,00 de Adelino Rodrigues Junior.
  • A  THJ  Consultoria  recebeu  ao  todo  R$  3.760.907,38  de  empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas.
  • A Curitiba Consultoria recebeu ao todo R$ 7.407.000,00 de empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas.
  • O  Centro Médico Vita Care  recebeu  R$ 140.000,00  de  empresa intermediária relacionada às entidades associativas.


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piauí enviou questionamentos à defesa do procurador federal Virgílio de Oliveira Filho sobre sua atuação no INSS e sobre os indícios que a PF citou contra ele, como o pagamento de cerca de 12 milhões à esposa a partir de 2022. O advogado Mauricio Moscardi, ex-delegado da PF, disse que não serão prestados esclarecimentos à imprensa, neste momento, “em respeito ao direito ao silêncio, que é uma prerrogativa constitucional da defesa, especialmente diante da ausência de acesso integral aos autos e da necessidade de uma análise mais aprofundada dos elementos que os compõem”. 

“Tão logo a defesa tenha pleno acesso aos documentos e provas constantes do processo, nosso cliente se manifestará oportunamente e com total transparência, dentro dos limites legais e no momento apropriado”, complementou o advogado.

Após a primeira fase da Operação Sem Desconto, a Polícia Federal ampliou o escopo da investigação a partir do material apreendido em mandados de busca. Entre os documentos está um caderno de anotações de uma secretária de Antonio Carlos Camilo Antunes — o “Careca do INSS” — no qual aparecem, manuscritas, as expressões “5% Stefa” e “5% Virgílio”. A menção a percentuais que podem estar vinculados aos nomes do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do procurador-geral, Oliveira Filho, está sob apuração. 

O total de descontos associativos aplicados nos contracheques de aposentados e pensionistas, com ou sem consentimento, já ultrapassa 10 bilhões de reais — boa parte destinada a entidades de fachada. O escândalo evidencia não apenas a sofisticação do esquema, mas a profundidade da captura institucional em uma engrenagem que, operando nos bastidores, corroeu silenciosamente os fundamentos de proteção social do Estado.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) afirmou que sempre atuou com ética, em conformidade com a lei, e que está à disposição para colaborar com as investigações. Sobre o desbloqueio de 34,5 mil benefícios em dezembro de 2023, a entidade disse ter enviado ao INSS, em outubro, os documentos que comprovavam a regularidade das autorizações, permitindo o processamento dos descontos associativos.

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