Oliveira com o então presidente Jair Bolsonaro Clauber Cleber Caetano/ PR
Ele destampou o ralo do INSS
Em 2022, quando era ministro do Trabalho e Previdência, José Carlos Oliveira avalizou o fim de uma regra que coibia a roubalheira
O assalto aos bolsos de aposentados e pensionistas do INSS, que tirou pelo menos 6 bilhões de reais de mais de 1 milhão de pessoas, se deu com muito mais facilidade depois que um mecanismo burocrático de proteção foi derrubado no último ano do governo Bolsonaro.
Trata-se da exigência de renovação periódica, de três em três anos, da autorização para que sindicatos e associações profissionais façam descontos na folha de pagamento dos beneficiários. Sem esse freio, bastava inscrever uma única vez os nomes das vítimas para que os descontos em folha em nome de entidades fictícias ou de fachada se repetissem por tempo indeterminado.
Esse mecanismo havia sido criado pelo próprio governo Bolsonaro em 2019 para coibir fraudes e cobranças indesejáveis, mas foi revogado da legislação três anos depois. Nas canetadas da Secretaria de Previdência do Ministério do Trabalho e da Previdência do governo Jair Bolsonaro, sua extinção aparece como um desburocratizador. A Nota Técnica SEI nº 684, obtida pela piauí por meio da Lei de Acesso à Informação, afirma que a supressão do trecho “não é inconstitucional” e “não contraria o interesse público”. E que, por isso, a secretaria “não encontra óbice” (ou seja, não vê empecilho) à mudança.
A nota técnica foi feita em agosto de 2022 para subsidiar a presidência da República sobre um projeto de lei aprovado pelo Congresso que trouxe a revogação da revalidação. O titular da pasta, José Carlos Oliveira, assumira o ministério em março daquele ano. No comando da Casa Civil, estava o hoje senador Ciro Nogueira. A mudança foi confirmada depois que o então presidente Jair Bolsonaro sancionou o Projeto de Lei de Conversão nº 17, que incorporava a novidade.
A medida foi aprovada no bojo da Medida Provisória nº 1.107, que criou o programa SIM Digital, voltado à concessão de microcrédito a pessoas físicas. Em meio a tantos números, siglas e expressões burocráticas, o fim da revalidação periódica passou despercebido do debate público. Mas teve peso no esquema de descontos associativos fraudulentos desmantelado anos depois pela Operação Sem Desconto, da Polícia Federal.
Oliveira, servidor de carreira do INSS e filiado ao PSD de Gilberto Kassab, chegou à cúpula da autarquia em maio de 2021, como diretor de benefícios. Em novembro do mesmo ano, virou presidente da entidade. Em março de 2022, um novo salto hierárquico: foi nomeado ministro.
O período marcou a celebração de acordos com diversas entidades que agora constam da lista escandalosa de acusadas de desviar dinheiro.
A Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), uma das mais enroladas nas investigações da PF, foi autorizada a aplicar descontos em folha por Oliveira, em um acordo assinado em 31 de agosto de 2021. Um detalhe que o INSS não viu – ou fez que não viu: a Ambec tinha apenas três associados, um sinal vermelho-sangue de alerta de que havia algo suspeito. Segundo os investigadores, o empresário Maurício Camisotti, do ramo da saúde, está por trás da entidade. O procurador da Ambec era Antonio Carlos Camilo Antunes, o homem que, com a revelação do escândalo em abril passado, ficou conhecido como o “Careca do INSS”.
Depois do acordo, os filiados da Ambec saltaram de apenas três para 40 mil em 2022. No ano seguinte, eram 600 mil nomes. A renda da entidade disparou na mesma medida. Entre 2021 e 2022, cresceu mais de 11.000.000%. Passou de apenas 135 reais para 15 milhões de reais. Num único ano, fez 433 925 filiações. As demais entidades de Camisotti tiveram trajetórias semelhantes na multiplicação de trocados em fortunas. Um documento que veio a público em meio às investigações informa que o dinheiro dos aposentados era repartido na proporção de 27,5% para o Careca do INSS e 72 ,5% para Camisotti.
Oliveira também deu aval à “ressurreição” da Anapps, uma entidade que havia sido barrada no início do governo Bolsonaro devido às evidências de fraudes nos descontos associativos. A associação voltou sob novo nome, Abrapps, tendo como presidente uma aposentada de 84 anos que não possuía vínculos empregatícios com nenhuma empresa ou entidade, uma pista de que se tratava de um laranja. A área técnica do INSS apontou a “inviabilidade do acordo” em um despacho, mas Oliveira ignorou o alerta e deu sinal verde para que ela retomasse os descontos.
Oliveira não consta como investigado no inquérito da Polícia Federal sobre as fraudes nos descontos associativos e o desvio de dinheiro dos aposentados e pensionistas. No entanto, seu nome aparece em uma teia de movimentações financeiras que estão sob investigação. Os dirigentes do INSS alvos de busca e apreensão na primeira fase da Operação Sem Desconto são aqueles que estavam atuando durante o governo Lula, alguns deles já vinham trabalhando desde o governo Bolsonaro e foram acomodados na nova administração, como o procurador-geral do INSS, Virgílio de Souza Oliveira.
Reportagem da piauí publicada na edição de junho reconstitui passo a passo os atos e omissões dos governos Temer, Bolsonaro e Lula que permitiram a explosão do escândalo que vitimou milhões de idosos brasileiros. A íntegra está disponível neste link.
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